As voltas que a vida dá...
Desfrutar das reviravoltas que a própria vida nos dá, talvez seja a maior virtude de todas, apreciando a jornada e nossos passos nesse caminho misterioso que é viver.
Das 8 às 18 horas não era tempo suficiente para Pedro no trabalho. Por isso mesmo ele sempre ficava mais no escritório. Dedicava-se como poucos. Queria ascender profissionalmente e a porta de entrada eram as horas, a produtividade, os projetos realizados, os estudos e, além de tudo isso, vestir a camisa da empresa.Recebia elogios, teve até promoção, mudou de cargo, assumiu novas responsabilidades, começou a sair da empresa as nove da noite, as vezes ficava até as dez horas.Comia mal, se afastou dos amigos, perdeu a namorada, teve que dar o cachorro pois não conseguia cuidar dele, parou de jogar futebol com a turma, deixou de fazer academia nos períodos da manhã, ligava cada vez mais esporadicamente para os pais...
A empresa era sua vida. Queria ascender a gerência, tinha ambições quanto a direção, quem sabe se tornar o mais jovem executivo daquele grupo a chegar aos cargos máximos. Sua vontade era a de que com menos de 40 anos conseguisse ser diretor ou talvez até vice-presidente, quem dera mesmo lhe oferecessem sociedade. Seus resultados eram notáveis: Conseguiu novos contratos, aumentou o faturamento, reverteu perda de clientes, criou novas linhas de produtos, era sempre elogiado pelas apresentações impecáveis. Os anos foram passando e de repente, quando se aproximava dos 40 anos, Pedro percebeu que sua evolução inicial na empresa estancara. Continuava com dedicação plena, tinha até “amor” pela empresa como gostava de dizer, prosseguia solteiro, tinha engordado alguns quilos por ser sedentário e alimentar-se mal, sempre na correria, nas ruas. Mas atingira o cargo de gerente no departamento de vendas por mérito e ali estava estacionado.
Vira como o Jacques e o Marlon, que haviam entrado depois dele, já haviam galgado postos na direção. Sabia que tinham “padrinhos” na empresa e que seus resultados não eram tão bons quanto os dele. Percebeu que a meritocracia apregoada como forma de avaliar os colaboradores da empresa não era a principal ferramenta para a promoção de profissionais por ali. Sua apreensão aumentou quanto a Karina, que tinha menos de 4 anos na empresa, se tornou diretora em seu setor. Sabia que tinha alguns méritos, mas com tão pouco tempo e realizações na empresa considerou muito injusta a promoção. Depois de algum tempo foi anunciado o noivado dela com um dos vice-presidentes do grupo e ficou mais clara a motivação de sua ascensão profissional tão rápida. Olhou para sua vida pessoal e percebeu que seus sonhos de vida tinham sido todos substituídos por metas da empresa e que, mesmo com sua dedicação, preparação, resultados e horas extras de trabalho, não iria ter a oportunidade que tanto almejara.
Pensou em pedir as contas. Chegou a entrar na sala de seus superiores para verificar com eles quais seriam suas perspectivas na empresa. Seus gráficos, relatórios, depoimentos de clientes satisfeitos, aumento de vendas e lucratividade da empresa o credenciavam para ser promovido, mas isso não acontecia e, num horizonte distante, tampouco iria ocorrer.
Resolveu entrar no mercado novamente. Disponibilizou seu currículo. Foi procurado por empresas fortes do setor. Teve propostas até de fora do país, pois falava inglês fluente e já havia participado de negociações nos Estados Unidos e na Europa. Se sentiu valorizado e pensou se aceitava ou não os novos desafios. Levou para o seu Ademar, presidente do grupo, seus resultados e também seu descontentamento, assim como as propostas que havia recebido de outros grupos. Esperava ouvir do patriarca do grupo familiar que tocava a empresa algum incentivo para continuar. Não foi o que aconteceu, depois de todos aqueles anos de dedicação, foi liberado para negociar e seu posicionamento foi entendido como um pedido de demissão.
Aceitou proposta de uma empresa canadense. Mudou-se para Toronto. Na nova empresa havia uma política de trabalho que dava ao empregado a possibilidade de ter vida fora do ambiente produtivo. Conheceu Susan, uma bela jovem canadense, se apaixonou por ela e se casaram após 2 anos de namoro. Se estabilizou na empresa. Teve seus resultados reconhecidos. A empresa valorizava muito o empenho, a dedicação, era aberta ao diálogo, estimulava fortemente seus funcionários a realizar novos estudos e cursos. Havia um plano de expansão da empresa em sua filial brasileira e, aos 50 anos, Pedro retornou ao país como diretor desta nova ação do grupo canadense no país. Como a empresa em que trabalhava agora era concorrente daquela em que atuou por tantos anos, a vinda do grupo para o Brasil abriu crise sem precedentes na companhia de seu Ademar, que já havia falecido e fora sucedido pelo seu filho, o vice-presidente que casara com a Karina, sua ex-chefe.
Não era o que ele desejava, pois não queria o mal de ninguém, nem mesmo daqueles que por anos o desprezaram. Na realidade, propôs aos seus chefes canadenses a aquisição do grupo concorrente no qual por tantos anos trabalhara. Como o mercado é ágil e exige excelência, seus ex-patrões, que não trabalhavam dentro de um real sistema meritocrático, haviam se tornado seus funcionários...
São as voltas que a vida dá, pensava Pedro, enquanto brincava com seus filhos Jim e Nancy, no jardim de sua casa, ao lado da esposa Susan, jogando bolas para seus cães irem buscar...
João Luís de Almeida Machado
Consultor em Educação e Inovação, Doutor e Mestre em Educação, historiador, pesquisador e escritor.
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