A Conquista da Honra

Heróis, celebrados publicamente, com direito a vários momentos de comemoração em diferentes partes do país.


Cena do filme "A Conquista da Honra"

Homens que lutaram por sua bandeira, pelos princípios contidos em sua carta constitucional, por valores como a liberdade e a democracia. Jovens que se sacrificaram nas frentes de batalha do Pacífico, na guerra cruenta contra o Japão, vendo sucumbirem vários companheiros de farda e que, ainda assim, subiram a montanha e fincaram o símbolo máximo daquilo tudo que defendiam, a bandeira de seu país, os Estados Unidos.

“A Conquista da Honra”, filme do diretor Clint Eastwood, podia muito bem seguir a trilha do patriotismo que exalta os valores nacionais e coloca os norte-americanos no topo do mundo. Sensível ao que tem visto e vivido, apesar de sua fama de durão, o ex-prefeito de Carmel e astro de filmes de faroeste - elementos representativos para demonstrar o quão americano é Eastwood, resolveu fazer um filme diferente.

Trouxe com isto a história dos soldados que teriam fincado a bandeira norte-americana no topo de uma elevação em Iwo Jima, ilha dominada pelos japoneses na Segunda Guerra Mundial e por eles considerada terra sagrada, por isto mesmo, uma das mais duras e sangrentas batalhas travadas entre 1939 e 1945.

E, ao invés de mostrar o júbilo, a exaltação, nos colocou nos bastidores, atrás das cortinas. Por isso mesmo, não teve receio em demonstrar o quanto há de política na exploração do heroísmo nacional, mesmo que forjado, para conseguir aumentar a arrecadação com a venda de bônus de guerra e, com isso, pagar os altos custos de manutenção do esforço de batalhas caríssimas em diferentes fronts.

 

 

Faz paralelos entre a chegada e o desenrolar das ações bélicas das forças americanas em Iwo Jima, apresentando sem máscaras a tragédia da guerra, durante a qual tantas vidas jovens foram ceifadas de forma brutal e assustadora; e ainda, apresenta todo o estardalhaço e festa promovidos pelo governo, por empresários espertalhões e pela imprensa sensacionalista em função de uma fotografia proveniente da frente de batalha.

Foto clássica que traz os soldados norte-americanos, em grupo, fincando a bandeira de seu país no topo de uma colina em Iwo Jima e que se tornou célebre mundo afora, constando hoje em muitos livros de história. Este registro em celuloide teria representado a virada, a reconquista do espírito vitorioso que guiara os Estados Unidos durante toda a sua existência independente.

Da foto foram resgatados três soldados, consagrados como heróis e trazidos de volta a América, para destacar a valentia e bravura dos jovens combatentes no Pacífico e, principalmente, arrecadar fundos. Mas o que sentiam estes homens, de súbito tirados da companhia de seus batalhões, do cheiro forte de enxofre tão característico de Iwo Jima, da morte que os rondava e ameaçava ao mesmo tempo em que carregava alguns de seus companheiros?

Sentiam-se heróis? Sabiam-se dignos de todas as honrarias a eles concedidas? Concordavam com tudo o que estava sendo feito? Ou eram apenas sobreviventes de uma guerra insana? E depois de tudo isto, o que viria? Como seriam suas vidas? Existem realmente heróis ou somos apenas de carne e osso, lutando para que as luzes não se apaguem mais cedo?

“A Conquista da Honra” é um filme grandioso enquanto espetáculo cinematográfico, provoca os espectadores a repensar a guerra, nos coloca em xeque quanto a valores ou ideias que temos, tem um elenco não muito conhecido, mas bastante convincente e competente e, principalmente, conta com a experiência, maturidade e sensibilidade de um velho caubói, de tantas batalhas e duelos, atrás das telas.

Passadas algumas décadas do final daquele que é o maior conflito bélico da humanidade, com vítimas estimadas em aproximadamente 60 milhões de pessoas pelos estudiosos, faz-se sempre necessário rever, repensar, estudar e aprofundar o conhecimento para além das estatísticas oficiais e dos dados que compõem os livros de história. A guerra como acontecimento que tem em seus bastidores homens comuns, movidos por causas, bandeiras e propósitos que nem sempre lhes eram tão claros, constitui leitura diferente e que merece atenção.  

 

 

Cabe a escola questionar e propor para os alunos estudos e reflexões que aprofundem a discussão. Porque ir à guerra? O que é uma guerra? Lutar pela pátria, mas o que essa abstração chamada nação significa? Expandir, buscar riquezas, ampliar as possibilidades econômicas para além daquilo que historicamente pertence à outra nação tem alguma justificativa plausível? Como os governos e as lideranças envolveram tantos milhões de pessoas em seus projetos de expansão e crescimento? Que prejuízos advêm como contrapartida de uma ofensiva bélica? Como a guerra é vivida enquanto experiência coletiva e individual?

A geopolítica da guerra, as divisões do pós-guerra, os novos mapas que se estruturam e que castigam os perdedores, a miséria que se estabelece, os caríssimos processos de reconstrução, o monitoramento internacional e tantas outras consequências precisam ser igualmente pensados tanto na esfera coletiva quanto a partir das individualidades.

São dúvidas e questões que precisam ser feitas e refeitas para que possamos compreender os bastidores da guerra, como fez Eastwood ao focar num símbolo americano, a bandeira sendo hasteada em Iwo Jima, que ganhou o mundo e distinguiu a águia americana, fazendo-a parecer poderosíssima frente aos olhos de seus oponentes de então e do mundo que se estabeleceu posteriormente.

A Segunda Guerra Mundial oculta, atrás de seus símbolos e imagens, histórias que ainda não são conhecidas e tantas que jamais virão a público. É preciso saber, com profundidade, o máximo possível para que tanto sofrimento jamais se repita.

 

Veja o trailer do filme:

 

Ficha Técnica

  • Título: A conquista da honra
  • Título original: Flags of our fathers
  • País/Ano: EUA, 2006
  • Duração: 132 minutos
  • Gênero: Guerra, Drama, História
  • Direção: Clint Eastwood
  • Roteiro: Paul Haggis e William Broyles Jr.
  • Elenco: Ryan Phillipe, Adam Beach, Neal McDonough, Jamie Bell, Paul Walker, Barry Pepper, John Slattery, Jason Gray-Stanford.

João Luís de Almeida Machado

João Luís de Almeida Machado

Consultor em Educação e Inovação, Doutor e Mestre em Educação, historiador, pesquisador e escritor.

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