Sobre telas. E mais telas.

É inegável o potencial que as telas podem trazer ao aprendizado das crianças.


Criança de cabelos encaracolados com tablete na mão

Recentemente, voltando com meu filho de 11 anos da escola para casa, parei o carro frente a um farol de trânsito ao lado de outro carro e reparei que, no banco de trás desse carro, havia uma criança que deveria ter cerca de cinco anos, que olhava fixamente para o banco da frente, do motorista, que provavelmente seria seu responsável. Estiquei-me para ver melhor o que atraía tanto sua atenção na traseira do banco dianteiro e vi que tinha um dispositivo móvel colado no banco, e na traseira do banco do passageiro também, e na mão do seu responsável enquanto o farol não abria também. Isso me fez levantar a seguinte indagação: por que tantas telas? Ou melhor, para quê?

Recentemente, um grande município do estado de São Paulo adotou - em toda sua rede municipal de ensino fundamental - os tablets, dispositivos móveis com tela que podem ser usados para leitura, visualização de vídeos e diversas outras atividades envolvendo entretenimento e aprendizado. Vejo com bons olhos essa iniciativa, mas preocupa-me bastante com qual finalidade essa tecnologia será utilizada dentro do processo de ensino e aprendizagem, como será inserida e adequada ao conteúdo curricular. Junto a isso, além da capacitação necessária dos professores na utilização das tecnologias ser fundamental com relação a sua utilização, penso ser fundamental que sejam capacitados também a compreenderem como mediar essa utilização durante as aulas. Caso contrário, perde-se a proposta de tornar a tecnologia uma ferramenta auxiliar de aprendizado.

Outros questionamentos são importantes para entendermos esse aumento das telas nos espaços de convivência e principalmente educacionais. Recentemente, em matéria publicada no site brasileiro da britânica BBC (11/06), pais estão restringindo o uso de celulares e tablets pelos filhos com a alegação de que a utilização da tecnologia pode limitar o potencial criativo das crianças. 'Você não ensina a ser criativo apenas entrando em um app de criatividade', argumenta um dos pais. Nomes de peso como o falecido Steve Jobs, fundador da Apple, Bill Gates, Microsoft, e Mark Zuckerberg, Facebook, são os que estão nessa empreitada. Este último escreveu uma carta para a sua recém-nascida filha pedindo que ela “saísse de casa e brincasse”. Alguns desses pais ainda monitoram a utilização das telas nas escolas em que seus filhos estudam e até se suas babás passam muito tempo utilizando celular. Pode?

É inegável o potencial que as telas podem trazer ao aprendizado das crianças. Muito além de um simples dispositivo de entretenimento e informação, tablets e smartphones são linguagens que precisam ser internalizadas para que os cidadãos do futuro possam se comunicar facilmente, e nossas crianças dependem disso, são extensões do nosso corpo, como afirmou assertivamente McLuhan (1964). No entanto, penso que a utilização dessa tecnologia deve ser equilibrada e intermediada com outras experiências para que seja enriquecedora e sirva de estímulo ao aprendizado. Voltando ao exemplo da menina no banco de trás, pergunto: será que durante o trajeto com seu responsável guia à frente, sua experiência não seria mais enriquecedora se visualizasse e até apreciasse as paisagens do caminho, com as imagens, cores, texturas e tantos outros elementos que podem estimular seu repertório criativo? São questões que o futuro vai responder, mas prefiro concluir esse texto utilizando a #hashtag de uma grande operadora de telefonia. #temhorapratudo


Sérgio Campelo

Sérgio Campelo

Professor, Pedagogo, formado em Letras com Especialização em Comunicação pela Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo. Com 20 anos de experiência no planejamento e docência de cursos de capacitação para o mercado profissional, atualmente é professor na rede privada de ensino. Cursou 'Game Design: Art and Concepts' no California Institute of the Arts (CalArts) e gerencia a Gamecubo, espaço de oficinas e cursos, reflexão e debates sobre práticas inovadoras na área de ensino-aprendizagem.

Ver artigos

Avalie esse artigo


Assine nossa Newsletter