Orgulho Autista: como os pais podem senti-lo?

Confira a seguir uma valiosa reflexão de uma mãe e especialista em Transtornos do Neurodesenvolvimento sobre o chamado Orgulho Autista.


Orgulho Autista: como os pais podem senti-lo?

Dia do Orgulho Autista, uma iniciativa do grupo Aspies for Freedom, dos Estados Unidos, é uma celebração da neurodiversidade de pessoas do espectro do autismo, foi celebrado pela primeira vez em 2005.

Lá se vão 16 anos, um ano a menos que meu filho Eros autista nível 3 de forma secundária e com comprometimentos cognitivo e da linguagem funcional. Aqui no Brasil no dia 18/06/20 foi votado pelo senado o projeto de lei n°3391/20 para o reconhecimento oficial da data, o que ainda está em trâmites legais.

Acredito que muitos outros pais, por incrível que pareça, não conheciam esses dados. Eu só soube ao pesquisar a respeito, porque sempre achei que fosse algo mais isolado, sempre pensei só a respeito do dia 02 de abril, o Dia Mundial da Conscientização do Autismo, acho que devido a minha própria luta em fazer com que as pessoas se conscientizassem a respeito, que conhecessem e passassem a entender todas as variações e níveis de sintomas do autismo, na realidade nunca pensei no orgulho autista.

Esquisito falar isso? Não sei, estou pensando a respeito e imagino que muitos que lerem esse texto também irão pensar. No meu caso confesso que sempre mencionei que eu tenho orgulho do meu filho, mas não do autismo dele, creio que seja algo que devemos sim trabalhar em nosso interior, porque será que sempre falei isso?

Porque nunca foi fácil sentir orgulho dessa parte, ter um filho com comprometimentos severos devido a um transtorno sempre foi complicado, às vezes doloroso, muitas vezes frustrante e diversas vezes aterrorizante diante do futuro ainda mais vivendo num país como o Brasil (só posso falar pelo meu, pois não tenho vivência de outro) mas imagino que não deva ser sempre fácil.

O autismo em si já é complicado desde o diagnóstico, passamos por diversas questões até chegarmos a um ponto final, e quando pensamos que já está tudo definido que conhecemos as nuances, é aí que está tudo começando.

Creio que o processo em si é doloroso para todos os envolvidos, a incerteza, o luto, o reconhecimento, a aceitação, a compreensão, os recomeços e recomeços, a ação diante de todas as necessidades, o vencer diante dos preconceitos (pessoais e sociais).

Sim, eu também senti preconceito diante do diagnóstico e tudo o que ele acarretava, e ouso dizer que não estou sozinha nesse contexto. Não ter conhecimento do por vir gera medo, gera preconceito, gera solidão e todos os outros sentimentos estranhos e conflitantes que vivemos quando nossas vidas viram de cabeça para baixo.

Mas aos poucos vamos entrando no mundo autista. Na vida com um(a) filho(a) autista começamos a compreender todos os potenciais e possibilidades, com isso vamos mudando por dentro e por fora, reiniciamos uma nova vida, aprendendo e ensinando, mudando nossa visão, mudando nossos conceitos, ampliando nossos horizontes e claro, sempre buscando o melhor para nossos filhos e todos os outros “filhos” que vamos conhecendo ao longo da jornada.

As famílias que vão se juntando a nós nessa luta, nessa caminhada dolorosa, mas linda ao mesmo tempo, mudamos como pessoas, mudamos como pais, por amor mudamos tudo.

Então, tentando entender essa celebração em si, creio que venha da necessidade de mostrar essa aceitação ao filho (a) com autismo, celebrar a vida, e aí enquanto analisava me vem à mente os olhos do meu filho, dos meus pacientes, sabe aqueles olhos?

Olhos de uma pureza infinita, olhos verdadeiros, profundos, e o sorriso que só vem se eles realmente gostarem da pessoa ou do que estão fazendo. O abraço? Ah o abraço, desajeitado, sem forma, mas que mostra para a gente "por favor me abrace bem apertado". Ou ainda o gritar de raiva e desagrado mais intenso e sincero que existe.

São tantas outras coisas que me vem à mente que me fazem sentir orgulho dele, dela, da pessoa. Se isso é orgulho autista? Creio que sim, porque mesmo lidando com muitas outras patologias em meu trabalho e dia a dia, ainda não encontrei outra tão desafiadora, mas tão gratificante quanto receber o retorno deles ao atravessar a ponte que é estar seu lado, ver a porta, e as vezes muro, se abrir ou ruir e me deixar entrar, me deixar fazer parte e mostrar você é bem-vinda ao meu mundo.

Orgulho autista sim, vejo que descobri que eu sinto e vivo o orgulho autista, pois essa é a minha vida, como mãe, como profissional, como pessoa, como tia, e tantas outras formas que a vida trouxe ao me mostrar o autismo.

E você, já pensou a respeito? Já tentou entender a profundidade do seu orgulho autista? Sabe de onde ele vem? Vamos ver pelos olhos do autista, sentir o orgulho por nossos filhos.

Creio que ainda levaremos um tempo para compreender algumas questões principalmente as emocionais, os desafios que enfrentamos no dia a dia, para podermos enxergar de forma real a data 18/06, mas leve o tempo que levar se olharmos com olhos positivos encontraremos o sentido e a beleza do dia do orgulho autista.

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Emanoele Freitas

Emanoele Freitas

Neurocientista especializada em Transtornos do Neurodesenvolvimento. Fundadora da AAPA – Associação de Apoio à Pessoa Autista. Membro da Equipe de Acessibilidade e Inclusão da Universidade de Nova Iguaçu. Autora dos livros “Transtornos do Neurodesenvolvimento – Conhecimento, planejamento e inclusão real” e “Mediador escolar – Recriando a arte de ensinar”, publicados pela Wak Editora.

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