Gestores educacionais ou bombeiros?
O papel dos gestores educacionais é dirigir o esforço coletivo de maneira eficiente para que não aconteçam problemas evasivos na gestão
Cristina chega na escola, onde atua como coordenadora pedagógica, meia hora antes da abertura dos portões. Sua equipe já está de prontidão para recepcionar os alunos e pais, dar os devidos encaminhamentos e orientações e, com isso, iniciar um novo dia de trabalho.
Ela tem um cronograma de atividades já previamente elaborado. Pretende conversar com alguns professores para lhes dar orientações e feedback em relação ao trabalho que estão realizando. Irá também atender famílias de alunos que estão com alguma dificuldade. No final do período tem a intenção de fazer uma reunião com a equipe da secretaria para uma rápida formação sobre o uso de um novo software de gestão, com apoio de sua equipe de tecnologia educacional.
Este é o caminho pretendido pela gestora... ela sabe que, no entanto, intercorrências irão surgir no meio do caminho e farão com que parte de seu planejamento não possa ocorrer como pretendido. Por vezes os “incêndios” surgidos no dia a dia de uma escola acabam fazendo com que nada daquilo que foi programado possa acontecer, gerando adiamentos e, consequentemente, impedindo melhorias nos processos, na relação com os alunos e seus responsáveis ou na formação e retorno para sua equipe docente.
Pesquisa realizada pela AOG Consultoria Educacional revela que 73% do tempo despendido pelos gestores escolares é gasto em ações rotineiras, de caráter operacional, que representam 39% deste total, e que, o atendimento a eventualidades, ou seja, a resolução de situações inesperadas, por sua vez, constitui 34% deste número.
Neste levantamento, realizado em 2016, foram ouvidos 1.600 gestores de escolas – mantenedores, diretores, supervisores, coordenadores e orientadores - estabelecidos em instituições distribuídas por todo o território nacional. Deste total de entrevistas, 75% das respostas foram provenientes de instituições privadas e, o restante, de escolas públicas.
A pesquisa constatou ainda que, o tempo restante, equivalente a 27% da disponibilidade destes profissionais, é também dividido de forma desigual, com 16% do total destinado a coordenação das equipes internas (professores, equipe diretiva, secretaria e demais colaboradores) e apenas 11% tendo como propósito as ações de cunho estratégico.
Isso dificulta muito a atuação de profissionais como Cristina, pois além do cancelamento de ações previamente previstas, o que atrasa ou impede o estabelecimento de proposições e inovações pensadas para melhorar a rotina das escolas, ocasiona também evidente dificuldade dos gestores no tocante a comunicação com seus colaboradores e com a clientela por eles atendida.
Os atendimentos emergenciais são, via de regra, igualmente conturbados e problemáticos, tendo em vista que, por serem inesperados, ocasionam soluções rápidas, nem sempre as melhores, que por vezes acabam acarretando a insatisfação de quem foi assim atendido, sejam eles os membros da equipe da escola, os pais ou responsáveis pelos alunos ou os próprios estudantes.
Quando o tempo é bem equacionado a escola consegue se programar para atingir objetivos e metas estabelecidos no planejamento anual. É claro que eventualidades sempre acontecem num organismo vivo e pulsante como são as escolas, no entanto, é necessário se antecipar em relação a muitos destes desafios do cotidiano para que as ações de cunho estratégico possam ser encaminhadas sem atropelo, atrasos ou cancelamentos constantes.
E o que pode ser feito para que esse quadro seja modificado?
Inicialmente é preciso orientar as equipes internas quanto a procedimentos rápidos e objetivos para sanar os pequenos problemas ou dificuldades que, por vezes, se tornam dores de cabeça maiores do que realmente são. Estipular, por exemplo, linhas de ação, cadeias de resolução de problemas, visando não onerar de imediato os gestores que comandam os procedimentos estratégicos da escola é uma iniciativa interessante. Veja o caso de Cristina, situação fictícia narrada no início deste artigo que, certamente, é condizente com a de muitos diretores, coordenadores, supervisores ou orientadores que atuam em escolas brasileiras.
Vamos supor, por exemplo, que um aluno se sentiu mal ou se acidentou na quadra esportiva durante o intervalo. Numa situação como esta, é claro que o gestor precisa ser informado, mas a solução do problema passa pelo rápido socorro por inspetores, pelo encaminhamento e acompanhamento por parte da orientação rumo a algum serviço de enfermagem ou socorro médico ao qual a escola tenha acesso e, com a informação sendo compartilhada com a família, sem alarde, para evitar sobressaltos ou cobranças que tornem ainda mais tensa a situação.
Se, por outro lado, há uma questão de desatenção ou indisciplina em sala de aula, ao invés de encaminhar o aluno diretamente para os serviços de orientação ou para a coordenação pedagógica, onerando as ações destes profissionais, o primeiro passo para a resolução do problema é o estabelecimento de diálogo entre o professor, o preparo para a gestão de pequenos problemas como este em sala de aula pelo próprio docente, o estabelecimento de ações padronizadas a serem repassadas para os profissionais de ensino durante suas aulas. Desta forma, somente casos mais sérios serão encaminhados para a orientação educacional, que ficará com mais tempo para analisar o desempenho dos alunos, chamar os estudantes para organizar planos de estudo ou agendar conversas com os pais para relatar situações específicas e trabalhar juntamente com as famílias os meios de superar dificuldades de aprendizagem e outras questões pendentes.
Conversar e orientar as famílias com o intuito de que elas agendem suas reuniões previamente com os gestores escolares é outra medida aparentemente simples e óbvia a ser tomada. Mais do que simplesmente orientar, é preciso, literalmente, “catequisar” as famílias para evitar visitas fora de hora e entradas intempestivas. É preciso deixar claro que os profissionais precisam, como médicos, advogados e dentistas, ter os compromissos marcados com antecedência justamente para melhor atender os visitantes.
O mais importante e essencial é que tais práticas, entre outras, que tenham como intuito melhorar os processos internos, façam parte da cultura da organização e que, em assim sendo, desonerem os gestores deste alto índice de atendimentos relacionados a questões operacionais ou emergenciais constatados na pesquisa da AOG. Desta forma o terreno fica mais livre para que os gestores estudem, planejem, deem o necessário feedback para suas equipes e clientes, organizem formações e realizem o melhor percurso para a educação oferecida por suas escolas.
João Luís de Almeida Machado
Consultor em Educação e Inovação, Doutor e Mestre em Educação, historiador, pesquisador e escritor.
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