Black Mirror
O distópico, assustador e verídico futuro da tecnologia
As telas se multiplicam e somos consumidos diariamente por elas de modo voraz, sem que nem ao menos tenhamos real consciência do quanto caminhamos hoje a partir daquilo que é apresentado pelos sistemas que as operacionalizam.
E quem está por trás destes sistemas? Que interesses movimentam estas redes? Porque há uma inversão na relação estabelecida entre os homens e os instrumentos virtuais por eles criados? O estabelecimento de usos em que não prevaleça a plena consciência significa um novo tipo de alienação? Como devemos, de fato, nos comportar em relação a tecnologia que diariamente consome partes de nossas vidas?
Questionamentos como estes mobilizam os produtores e roteiristas da série britânica “Black Mirror”, criada em 2011 e disponível pela Netflix, em streaming, para assinantes.
Os episódios criados são sempre tensos e demonstram tanto as relações próprias do tempo presente quanto de um futuro que está logo ali, prestes a ocorrer, já em testes nos laboratórios de grandes empresas de tecnologia e grupos de pesquisa relacionados a esta área do conhecimento e produção técnica.
Há, por exemplo, as redes sociais que estipulam rankings a nortear não apenas o comportamento de cada cidadão, mas, também, o de toda a sociedade, atuando de modo a eleger, a partir de “likes” ou “dislikes” dados por seus usuários, a popularidade de todo mundo e, com isso, definir o lugar de cada um na sociedade. Isso irá implicar, para a existência individual de cada pessoa do planeta, desde o emprego a ser ocupado, passando pelo local de residência, os bens a que cada um terá acesso e, entre outros quesitos, com quem as pessoas irão se relacionar.
Num determinado episódio são mostrados games violentos, de terror, que imputados ao cérebro humano por meio de chips, levam o jogador a vivenciar as situações como se realmente estivessem acontecendo. Implantes de memória são também alvo de outra narrativa, na qual tudo o que as pessoas vivem são gravadas a partir de sensores óticos e, com isso, é possível, literalmente, “voltar a fita” para saber o que se passou e, com isso, por exemplo, monitorar totalmente a vida de todas as pessoas incluídas neste sistema. Se havia alguma dúvida de que o “Grande Irmão” de Orwell era mais que apenas ficção, é melhor ficarmos de olho, pois os experimentos com chips no cérebro e as câmeras onipresentes já estão se disseminando pelo mundo...
Nem mesmo a política, tão conservadora e tradicional em seus métodos e processos, escapa dos olhares atentos de quem lida com tecnologias de ponta.
O uso de um personagem virtual aparentemente infantil, porém extremamente crítico, irônico e cruel em seus posicionamentos ameaça novos e velhos candidatos de partidos estabelecidos a um longo período. O que seria, a princípio, uma brincadeira dos produtores deste personagem animado virtual faz com que ele desmoralize os candidatos humanos e se torne uma nova via eleitoral. Estes são apenas alguns contos assustadores apresentados na série...
Há, em Black Mirror, a real preocupação de trabalhar o lado obscuro e, até mesmo assustador da relação entre os homens e as novas tecnologias. As pessoas, muitas vezes maravilhadas com aquilo que a internet e os periféricos a ela relacionados estão a nos oferecer não conseguem ver o que está nas entrelinhas desta relação estabelecida com fornecedores que nem conhecem, sejam aqueles que provisionam os serviços através dos quais usam as tecnologias ou, então, os que conduzem seu pensamento a oferecer conteúdo para sua utilização pessoal ou profissional.
Nem mesmo a consciência de que estão sendo monitorados a todo momento existe, apesar de Snowden e Julian Assange ou de filmes que demonstram o quanto estamos expostos a governos, empresas, crackers, hackers e todos aqueles que navegam nos bastidores do mundo virtual a recolher toda a informação que lá depositamos. Por sinal, as pessoas não se dão conta que os grandes impérios que estão sendo construídos nas nuvens da web são erigidos por conta de sua produção ou, então, por meio de seus acessos, como Zuckenberg, Page, Gates, Brin, Bezos e tantos outros empreendedores do mundo virtual estão a estimular diariamente, aumentando de forma estrondosa suas fortunas corporativas e empresariais.
Black Mirror poderia até ser melhor no tocante a aspectos técnicos e em alguns de seus roteiros, mas já tem lugar cativo entre as séries mais interessantes e assustadoras, além de esclarecedoras, da história da TV e do streaming. Imperdível e obrigatória!
Para Refletir
1. Os episódios de Black Mirror abrem espaço para uma boa pesquisa acerca daquilo que é apresentado como novas tecnologias que irão emergir num futuro próximo. O que já está em testes em laboratórios de grandes empresas de tecnologia? Que novidades serão trazidas a curto e médio prazos por cientistas de diferentes países na área? Quais são as áreas mais evoluídas em termos de pesquisas realizadas nas principais universidades americanas, alemãs ou japonesas? Descobrir isso e verificar como tais modernidades irão afetar nosso cotidiano é tarefa a ser cumprida.
2. O quanto a tecnologia nos aliena? Em se considerando que a alienação pode ser percebida como a inconsciência em relação as escolhas, ao andamento de nossas vidas, a subserviência a outros sem que percebamos isso e que, também e concomitantemente, pode ser entendida como retirar de nosso controle e domínio o tempo de vida que nos pertence para que façamos o fluxo da internet, por exemplo, ocorrer e acarretar para seus principais mandatários tanto a audiência quanto a produção necessárias para seu enriquecimento e maior poder. O que você está deixando de fazer para navegar em redes sociais? Já parou e pensou a respeito? Você faz compras induzido pelos sites que se apropriam de seus dados de navegação e oferecem várias ofertas daquele produto que você pesquisou? Como andam seus laços presenciais com familiares, amigos e colegas? Estas e outras perguntas têm que ganhar espaço em seu dia-a-dia para que você não seja engolido pelas inúmeras telas retratadas em Black Mirror...
3. A tecnologia como ferramenta, acima de tudo, é algo que devemos perseguir e entender com clareza para, inclusive, ensinar e trabalhar juntamente as novas gerações. Abrir mais espaço para as relações presenciais, a produção sensível, o encontro entre as pessoas, os sentimentos fluírem, o trabalho manual, a atividade fora dos ambientes humanizados, o contato com a natureza são demandas essenciais para a sociedade, as famílias, as escolas, os governos... Tecnologias são neutras até que os homens deem a elas os diferentes e variados usos que verificamos, dos mais belos até os mais hediondos, cabendo a nós, portanto, definir os rumos quanto ao melhor e mais saudável uso destas incríveis ferramentas.
Veja o trailer:
Ficha Técnica
- Título: BLACK MIRROR
- País/Ano: Reino Unido, 2011-2016
- Duração: 20 episódios com aproximadamente 60 minutos cada
- Gênero: Ficção, Suspense, Drama
- Criador: Charlie Brooker
- Roteiro: Charlie Brooker, Rashida Jones e Michael Schur
- Elenco: Alex Lawther, Bryce Dallas Howard, Gugu Mbatha-Raw, Kelly McDonald, Malachi Kirby, Wyatt Russell, Alice Eve, Faye Marsay, Hannah John-Kamen, Jerome Flynn...
João Luís de Almeida Machado
Consultor em Educação e Inovação, Doutor e Mestre em Educação, historiador, pesquisador e escritor.
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