Escola sem partido: Fato ou ficção?

"A educação é a arma mais poderosa que você pode usar para mudar o mundo"


Professora ensinando aluna

As primeiras aulas na faculdade de História, no ano final daquele curso, ficaram marcadas pela postura assumida por dois dos docentes da grade básica, o primeiro deles responsável pela matéria História do Brasil República e, o outro, por História Contemporânea. Respondiam, portanto, por duas das principais disciplinas a serem trabalhados naquele ano.

O primeiro professor, que iria trabalhar a história de nosso país, entrou em sala de aula e disse aos estudantes que não iria tentar fazer a cabeça de nenhum dos presentes, atendo-se a ensinar os temas previstos para o ano que teríamos pela frente.

O segundo professor, responsável por nossos estudos relativos a história contemporânea, afirmou, sem pestanejar, que tinha conhecimento da influência que iria ter sobre nós, ao ensinar conteúdo tão caro e importante para a grade de nosso curso.

Ao final daquele ano, tínhamos entre nós, formandos, a convicção de que ambos atuaram de forma política em sala de aula, mas que o primeiro, tentara em seus encontros semanais com a turma, fazer com que tomássemos partido, literalmente, de causas e bandeiras associadas a legenda política existente e atuante no país.

O segundo, não tornara nossas discussões e ensinamentos algo que direcionasse nossos pensamentos e cabeças para um partido político, mas sim, para as diferentes formas de pensar o mundo, a partir de proposições, filosofias, histórias e personagens dos temas que juntos havíamos estudado em suas aulas.

Não por acaso, o segundo professor foi nome quase unânime para ser nosso paraninfo na formatura que se realizaria pouco tempo depois. Todos tínhamos ciência de que ele agira de forma condizente, de modo a nos ensinar, também, que em sala de aula temos sempre posicionamentos políticos, mas que aquilo que constitui a escolha e a preferência pessoal do docente não pode e nem deve ser trabalhado como algo a influir ou direcionar as escolhas realizadas por seus alunos.

Ao nos ensinar a história contemporânea, nos colocou em contato com diferentes ideologias, como o fascismo, o socialismo, o nazismo ou o comunismo, para me ater somente as propostas mais radicais a esquerda ou à direita. Destacou também pensadores e ações de centro, como aquelas relacionadas ao pensamento socialdemocrata. Não firmou suas escolhas e preferências como sendo aquelas que deveríamos seguir, ideologizando o discurso e aproveitando-se da sua posição de docente, com poder de influência sobre seus alunos, para nos fazer tomar partido de alguma bandeira, pensamento político ou agremiação partidária estabelecida no país.

Passados quase 30 anos daquele ano final do curso de história, no qual me formei e, por meio do qual, me tornei professor, vivemos a discussão do Escola sem Partido no país.

Ao propor este artigo, com o título questionando se tal proposta, a de escola sem partido é fato ou ficção, retorno ao tema trazendo um relato pessoal, associado a minha própria formação, para demonstrar que a escola e os profissionais que nela atuam têm, necessariamente, posicionamentos político-partidários e que, extirpar este viés político da educação é algo inexequível, ou seja, a não ser que instale-se no país uma forma de governar autocrática, na qual o grande irmão (relembrando Orwell) tudo veja, monitore e direcione, é praticamente impossível.

Historicamente, lembrar de regimes ditatoriais como o nazismo ou o socialismo, na Alemanha de Hitler ou na União Soviética de Stálin, no qual este controle absoluto tentou ser realizado, nos remetem a oposição, que mesmo na clandestinidade, estava viva, atuando em todos os espaços sociais, inclusive nas escolas, teoricamente controladas por agentes das respectivas ditaduras.

Não há como pensar a escola sem que nela não estejam inseridos, no currículo ou nas entrelinhas, o pensamento político.

O que se deve privilegiar, no entanto, é o ensino aberto, amplo e não direcionado, ou seja, aquele em que o docente não leciona com o intuito de fazer com que seu aluno vote, atue ou pense da mesma forma que ele.

São esferas diferentes que devem ser preconizadas nas escolas, ou seja, separando-se o joio do trigo, da mesma forma como se propõe um ensino laico, em que nenhuma religião prevaleça sobre as demais, com direito de livre escolha de culto, as opções políticas e partidárias precisam ser, igualmente livres, passíveis de escolhas sem direcionamento pessoal por professores, a se utilizar de seu posto de comando para efetivar tal manobra.

E se o profissional de educação for questionado quanto as suas escolhas e preferências, o que deve fazer?

Após ter discorrido sobre as diferentes opções, bandeiras e ideologias; tendo orientado seus alunos a analisarem as propostas e históricos de seus candidatos; estimulando a participação na vida política da sociedade em que se encontra inserido; trazendo candidatos de diferentes legendas, eventualmente, ao contato dos educandos, o professor ou o gestor da escola pode até dizer qual é a sua preferência. Ainda assim deve deixar claro que o aluno deve agir de acordo com sua consciência, considerando seus valores e analisando todos os vetores possíveis para realizar seu voto e participar politicamente da sociedade.

O vetor político na educação é necessário, sendo fato portanto, e não ficção, conforme questionamos no início desta ponderação. O que cabe, porém, é o compromisso profissional de docentes e demais agentes educacionais, no respeito a forma de pensar de seus educandos, visando torná-los independentes em suas escolhas, ainda que, muitas vezes, isso signifique contrariar a forma de pensar do próprio mestre.

Já dizia Voltaire, a quem sempre remeto nessas horas, temos que lutar, sempre, para que as pessoas possam expressar livremente seus pensamentos e opções, mesmo que não concordemos com o que advogam. A democracia precisa imperar. Há, evidentemente, impedimentos legais, éticos, históricos e jurídicos a serem considerados para que abusos cometidos contra as pessoas e toda a sociedade, sejam evitados e abolidos por completo, como o que ocorreu nos campos de concentração nazifascistas ou, ainda, nos gulags siberianos dos soviéticos, e isso faz, é claro, parte dos ensinamentos que também devem ser trazidos nas escolas.


João Luís de Almeida Machado

João Luís de Almeida Machado

Consultor em Educação e Inovação, Doutor e Mestre em Educação, historiador, pesquisador e escritor.

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