Um país sem professores no futuro...
O que esperar de um país onde apenas 2,4% dos estudantes demonstra interesse pela carreira docente?
Pois este é o Brasil. Educação, segundo a pesquisa Políticas Eficientes para Professores, realizada pela OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), é área de interesse para pouco mais de 2 em cada 100 brasileiros. Se mantido este ritmo de entrada de estudantes em cursos de pedagogia ou licenciaturas, o mercado que já carece de professores em algumas áreas do conhecimento, como Física, Inglês e Matemática, por exemplo, ficará sem profissionais especializados para atender a demanda.
A pesquisa indica ainda que 1 em cada 5 professores que atuam em escolas brasileiras já têm mais de 50 anos e que, para tornar ainda mais delicada a situação, o grupo social que apresenta maior interesse pela carreira é formado por pessoas que vivem situação social mais precária (Classes C e D) e que, por conta disso, tiveram formação anterior mais fraca, apresentando resultados abaixo da média de quem procura profissões com maior status, reconhecimento e melhores salários, como medicina, engenharia ou administração, por exemplo.
Na comparação, as médias obtidas no PISA (Programa Internacional de Avaliação de Estudantes) por quem almeja ser professor no Brasil, em leitura, ficam em 382 pontos, enquanto quem disputa vagas em universidades para os cursos mais prestigiados atinge média de 427 pontos. Em matemática a situação não é diferente, com os futuros professores atingindo 354 pontos e os candidatos a médicos e engenheiros atingindo 390 pontos.
Se a consideração for feita em relação a outros países, sabendo-se que o Brasil ocupa as últimas posições do ranking PISA desde o seu surgimento, seja em leitura ou em matemática, a situação torna-se ainda mais precária, ou seja, iremos apresentar ainda mais desvantagem na disputa global.
Para adicionar mais drama a esta equação, devemos considerar que, para termos profissionais das mais diversas especialidades, todas as crianças e adolescentes a serem formados no país irão passar pelo ensino básico e serão formados por estes professores com preparação fraca, deficientes em quesitos fundamentais. Some-se a isso, ainda, que o acesso a repertório cultural amplo, um dos elementos definidores da boa formação profissional, seja em educação ou qualquer outra área, também são frágeis.
A atualização dos currículos e dos programas dos cursos que formam os profissionais da área, em pedagogia e licenciaturas, demanda também revisão e modernização, para que os futuros docentes brasileiros estejam sintonizados com as alterações e propostas surgidas para atender as demandas e a clientela do século XXI. A escola brasileira ainda atua, em grande parte, dentro de um modelo de trabalho conteudista, reprodutivista, bancário e pouco afeito as novas metodologias ativas, ao uso de tecnologias em sala de aula ou ao trabalho com projetos e outras inovações.
A carreira de professor, ademais, carece de maior estímulo tanto do ponto de vista da equiparação de condições com outras profissões graduadas, no que se refere a benefícios e salários e, também, no que tange a maior respeito e consideração social.
A docência, no Brasil, não é recomendada para as novas gerações de estudantes nem mesmo por quem é professor, de acordo com pesquisa realizada pela ONG Todos pela Educação. Quase metade (49%) dos docentes que estão em sala de aula recomendam outras carreiras para seus alunos. Atuar no ramo é associado a baixos salários, insegurança no trabalho, falta de recursos e de apoio das comunidades atendidas. O professor brasileiro é questionado sobre seus métodos e processos e não tem sua condição técnica e profissional reconhecida e respeitada, muitas vezes, por quem atende. As pessoas consideram que, por já terem passado pelos bancos escolares, sabem como o trabalho precisa ser feito e cobram dos docentes posturas e ações que não são condizentes com a modernidade educacional e o alunato do século XXI.
Para melhorar este quadro é preciso que, de acordo com o que é feito em outras profissões e em países com melhores resultados na área, ações como estágio acompanhado e orientado por profissionais qualificados e reconhecidos, num processo similar ao coaching, sejam obrigatórias para os futuros docentes.
Outra ação indispensável é a criação de concursos probatórios para que o futuro profissional da área demonstre capacidade real e plena de exercício da profissão, como ocorre entre os advogados brasileiros, por exemplo, com a aplicação do exame da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil).
Os cursos universitários para professores precisam, também, aproximar mais a teoria e a prática, com formações pautadas em estudos de caso, parcerias com escolas próximas para introduzir os futuros docentes no ambiente educacional não somente no último ano de formação, mas já no 2º ou no 3º ano da graduação.
Salários melhores, condições adequadas de trabalho, formações regulares para quem já está formado e atuando, inserção e uso de tecnologias educacionais de forma regular no planejamento, ensejo a grupos de estudo e melhor aproveitamento dos horários de trabalho e planejamento obrigatórios são ações a serem também implementadas.
Quando se fala de remuneração, especificamente, a melhoria salarial deve ser prevista com o estabelecimento de planos de carreiras e valorização por mérito, ou seja, considerando-se evolução das turmas, índices de aproveitamento dos alunos, ações inovadoras em sala de aula, cursos adicionais realizados, estudos e leituras finalizadas. Profissionalismo está associado a tais fatores e, com isso, a valorização tem que acontecer, caso contrário, os professores irão continuar a perder credibilidade perante a sociedade.
A origem social dos futuros professores, sendo oriundos de camadas sociais mais carentes pode ser um trunfo, ao invés de um problema, se as condições de formação na universidade os auxiliarem e estimularem a superar as eventuais lacunas existentes em sua formação prévia. Cursos de complementação e reforço naquilo que não foi bem trabalhado nas etapas anteriores podem auxiliar os futuros docentes a superar tais dificuldades e, ao mesmo tempo, suas bases sociais anteriores podem ser elementos que facilitem a inserção, comunicação e efetivação de seu trabalho juntamente aos alunos e comunidades por eles atendidos.
Ser professor para quem vem das classes C e D constitui elemento de ascensão social. Na maior parte dos casos, estes futuros professores não têm na família pessoas que tenham cursado e terminado a graduação, se tornando, portanto, expoentes para seus pares e comunidades. Isso é de grande valor agregado para todos, mas para que a experiência possa render melhores frutos é preciso que sejam preparados da melhor forma possível, superando problemas prévios e sendo orientados para atender da melhor forma possível as escolas e alunos do século XXI.
Sendo professor há mais de 3 décadas, tendo escolhido e exercido de forma consciente a profissão desde o início de minhas atividades em escolas, como docente ou gestor, atualmente como formador de professores em cursos de graduação e pós-graduação e ainda como coordenador de projetos relacionados ao uso de tecnologias educacionais em escolas, reconheço as dificuldades e empecilhos da carreira docente no Brasil, no entanto, advogo mudanças, luto pelas alterações necessárias, acredito muito na profissão e penso que, para o país se tornar uma nação justa, desenvolvida e ética, precisamos investir nossas fichas numa educação de qualidade, com professores motivados, engajados, confiantes e prontos para os desafios que se apresentam. Na contramão daqueles que não indicam a profissão para seus alunos, eu digo que a profissão é extremamente digna, de grande valor social e que, precisamos virar a página para que seja tão valorizada quanto nos países mais desenvolvidos nesta área e, que por conta disso, lideram os rankings educacionais, como Estônia, Finlândia ou Coréia do Sul, entre outros.
João Luís de Almeida Machado
Consultor em Educação e Inovação, Doutor e Mestre em Educação, historiador, pesquisador e escritor.
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