Investir na Primeira Infância: Passo decisivo para um futuro melhor
Investir e incentivar os alunos nos anos iniciais é o caminho para um futuro melhor e uma educação de qualidade
"Países que não investem na primeira infância apresentam índices de criminalidade mais elevados, maiores taxas de gravidez na adolescência e de evasão no ensino médio e níveis menores de produtividade no mercado de trabalho, o que é fatal." (James Heckman, Nobel de Economia, entrevista à Revista Veja)
Um carinho, uma palavra, uma imagem, cada experiência da vida deixa uma marca no cérebro." (Mariano Sigman, no livro "A vida secreta da mente" )
Em diferentes ocasiões, proferindo palestras para professores e gestores, destaquei a importância da Educação Infantil e dos primeiros anos de formação oferecidos no ensino básico, em especial durante os 3 primeiros anos do Ensino Fundamental I, quando os conceitos basilares estão sendo trabalhados de forma inicial, fundante e decisiva. É costume da minha parte dizer, por que realmente acredito nisso, que esta fase da formação humana é mais importante que as demais, sem que, com isso, desmereça todo o trabalho educacional posterior, mas com a finalidade de destacar o quanto os fundamentos são deveras importantes para o porvir destas crianças.
E é importante destacar que minha atuação primordial em sala de aula foi sempre com alunos a partir do Ensino Fundamental II, com maior ênfase no Ensino Médio e na universidade (graduação e pós-graduação), no entanto, sempre que pude reforcei, ao longo dos últimos 15 anos, período em que realizo formações de professores e gestores, a importância dos primeiros anos de formação escolar, quando as crianças são ainda bem pequenas, dando os primeiros passos, literalmente, neste nosso mundo.
Destaco esta atuação e pensamento para reforçar os posicionamentos que abrem este artigo, de autoria dos especialistas Mariano Sigman e James Heckman. Sim, tudo começa, de fato, para um futuro promissor, a partir daquilo que oferecemos para as crianças quando ainda estão no útero materno e, principalmente, a partir daquilo que será a elas oferecido a partir de seu nascimento.
Os sinais enviados quando o bebê ainda está em gestação já constituem para ele ou ela os indicativos daquilo que irá encontrar quando não estiver mais protegido e alimentado por sua mãe, em seu organismo, profundamente acolhedor.
Conversar com a criança, cantar para ela, tocar a barriga da mãe de forma carinhosa, abraçar com cuidado e carinho a mulher que dará luz a esta criança, oferecer alimento saudável e outras ações que demonstram apego, amor, paz, solidariedade e ações ou sentimentos afins vão muito além da aparente barreira física que existe entre o bebê e as pessoas que o acalentam.
Se, por outro lado, há frieza, distanciamento, descaso, rejeição ou qualquer outro tipo de violência ou tratamento indiferente, a repercussão certamente será sentida e percebida negativamente pelo ser humano que ali está sendo gestado.
Imaginem então que aquele pequeno ser, tendo nascido, encontre em seu meio social a proteção e os cuidados que merece, o que isso irá significar para sua formação e desenvolvimento? Inicialmente tais atos e sentimentos representarão aceitação, compromisso, comprometimento, afeto e, com isso, serão percebidos pela criança através de seu intrincado sistema de neurotransmissores como padrões e ideias que, por gerarem conforto e agrado, irão se consolidar em seu pequeno cérebro para que, depois, possam ser entendidos e replicados.
Por outro lado, se a concepção for desde o princípio fruto de controvérsia, sem a devida união do casal em torno da criança, com o pai ou a mãe agindo de modo a demonstrar tal nascimento como um erro, como algo que não queriam, as repercussões serão igualmente percebidas pelo invisível sistema nervoso humano e irão eclodir na forma de problemas, dos mais simples, como cólicas ou diarreias a agressividade, choro, manhas variadas e outras ações a revelar a mágoa e a dor de quem não se sente desejado ou querido.
Mariano Sigman destaca justamente isso, ou seja, o quanto somos responsáveis pelas crianças que farão parte de nossa vida, sejam filhos, sobrinhos, netos, alunos ou quem for, em especial aqueles com quem temos contato mais diário e recorrente e, de forma mais acentuada, em relação ao que fazemos na primeira infância, ou seja, do nascimento aos 6 anos de idade.
E é importante, porém, irmos além da constatação das responsabilidades individuais dos adultos com quem estas crianças convivem em tenra idade. Há os compromissos e demandas que são de toda a sociedade, ou seja, relacionados as nossas ações como cidadãos, naquilo que a elas é oferecido como ambiente em que irão crescer, do entorno do bairro onde residem até a escola que frequentam há sinais sendo emitidos, seja pelas pessoas em seu comportamento diário, seja na forma como tudo é organizado (ou não) neste contexto.
Neste sentido é que o pensamento de James Heckman se junta ao de Sigman para que pensemos no todo, numa composição mais ampla, que agrega o ambiente doméstico ou a relação professores e alunos a componentes estruturantes de conformação social, como a oferta de espaços para que as crianças possam brincar, correr, socializar, ter contato com a natureza, se sentindo seguras, podendo sorver tanto o que lhe pertence, seja o espaço doméstico, familiar, fechado (indoor) ou o externo, os arredores de seu bairro, a quadra, a praça, o jardim, o parquinho infantil...
Heckman tem razão ao afirmar que os países que não investem na educação da primeira infância pagam um alto custo por isso e, neste sentido, os investimentos não devem ser percebidos exclusivamente no que se refere a escola e a seus equipamentos e recursos, materiais ou humanos... também a isso, é claro, mas a perspectiva tem que ser maior no sentido de prover segurança, saúde, alimentação, espaços públicos limpos, bem cuidados, contato com a natureza, atividade física, possibilidade de ser criança e brincar.
Documento recente publicado pelo Banco Mundial destaca que em vários países, entre os quais se inclui o Brasil, o que a escola ensina não é aprendido pelos alunos, como deveria acontecer, ou seja, se nem o básico estamos sendo capazes de cumprir, como acreditar que a primeira infância possa ser agraciada e contemplada com tudo o que é necessário para ela realmente florescer da melhor forma possível por aqui e em outras regiões pobres ou atrasadas do planeta?
A receita não é tão complexa quanto parece e, tampouco, dispendiosa e cara como podem apregoar alguns. Tudo passa por ações mínimas que começam com cada um de nós, em seu entorno, unindo-se a tantas outras pessoas interessadas, afim de promover espaços melhores para nossas crianças, nos quais elas realmente se sintam acolhidas, protegidas e amadas, passando por uma atuação social mais engajada no sentido de buscar soluções públicas e atuação política firme em prol dos direitos das crianças, em especial na primeira infância, mas continuando a seguir para que a alegria não se dissipe ou fique esquecida nestes primeiros anos. As melhores soluções são simples e custam menos do que a princípio possam fazer você pensar. Tudo, no entanto, começa com você e com seus passos, firmes e decididos, na direção certa, por um futuro digno e melhor para as crianças...
João Luís de Almeida Machado
Consultor em Educação e Inovação, Doutor e Mestre em Educação, historiador, pesquisador e escritor.
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